Tributo a Renato Russo revisita passado e faz eco a manifestações do presente

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA


IMG_1756_FotoElianeDiscacciatiRevolta, doçura, ódio, amor, inconformismo. A poesia bruta e os versos puros. Como num retorno sem partida, de um desamor apaixonado, de um faroeste amargo, da perfeição desajustada, de um país inacabado A dor e a delícia de celebrar a memória de Renato Russo subiram ao palco em Brasília no sábado, dia 29 de junho de 2013. Mais um dia que entrou para a história por causa da imagem de um ídolo que foi embora “cedo demais”. Em 1988, no mesmo Mané Garrincha, uma confusão interrompeu precocemente o que poderia ser show histórico. Renato, neste século 21, foi revisitado, espelhado em um holograma pequeno diante da saudade de 45 mil pessoas que foram cantar o o que nunca parou de ser cantado. A “volta” do ídolo morto, ainda tão vivo, ocorreu em um outro cenário, em um outro país sacudido pelas manifestações das últimas semanas. Renato jamais poderia imaginar e se debatia em versos diante de uma sociedade modorrenta, cruelmente conformada. O palco foi tomado pela dicotomia. O público também tomado pelas lembranças e da saudade do que o ídolo hoje poderia cantar.

Leia também: Público reclama, mas se emociona com “volta”

Cercado de expectativas desde o anúncio em março, o show “Renato Russo Sinfônico” reuniu as músicas do ex-vocalista do Legião Urbana e um dos maiores símbolos do rock nacional. Se por um lado a plateia cantou emocionada e empolgada diversos hinos, por outro se decepcionou com aquele que seria o ápice da apresentação. O holograma de Renato Russo, anunciado como a grande inovação tecnológica no Brasil, deixou a desejar ao cantar apenas uma música e sequer foi o número mais aplaudido. De certos pontos do estádio Mané Garrincha foi difícil até para enxergar a imagem do cantor, falecido há 17 anos.

 O show

O espetáculo começou com a cantora Sandra de Sá que levantou a plateia presente com gritos de “O Brasil acordou”, em referência às recentes manifestações que ocorrem em todo o país. Logo depois da cantora, o primeiro artista brasiliense subiu ao palco. André Gonzalez, vocalista da banda Móveis Coloniais de Acaju, empolgou o público ao cantar um dos maiores sucessos de Renato, “Ainda é cedo”. A terceira atração do show foi Zélia Duncan. A cantora carioca fez com que a plateia se levantasse das cadeiras pela primeira vez na noite ao cantar “Eu sei”. Ao mesmo tempo em que muitos estavam empolgados, foi possível perceber a irritação de muitos outros que ainda adentravam a arena durante a terceira música. A quarta música foi cantada por Jorge dü Peixe, da Nação Zumbi.

 Falha técnica

Após o quarto número, silêncio no palco. De repente, um anúncio que irritou o público. Problemas técnicos impossibilitaram a continuação normal do show. Vaias. Que só diminuíram quando a banda improvisou com músicas conhecidas. “Eduardo e Mônica”, que não estava no setlist do show, foi cantada pela plateia. Mais vaias com a demora em recomeçar o show. Zélia Duncan, que já havia se apresentado, voltou ao palco para tentar amenizar a falha. Cantou “Quase sem querer” e foi ovacionada.

Após cerca de dez minutos, o show recomeçou de forma emocionante. Luiza e Zizi Possi cantaram “Pais e Filhos”, um dos maiores sucessos de Renato Russo e da Legião Urbana, com a plateia de pé do início ao fim da canção. A violinista Ann Marie Calhoun também emocionou com os sucessos “Por enquanto” e “Quando o sol bater na janela do teu quarto” e foi bastante aplaudida. Não mais do que Ivete Sangalo, que subiu ao palco logo depois. A baiana foi uma das atrações mais bem recebidas e retribuiu com uma bela interpretação de “Monte Castelo”.

Manifestações

O mestre de cerimônias Fabrício Boliveira, ator que interpretou João do Santo Cristo no filme “Faroeste Caboclo”, entrou logo depois de Ivete Sangalo e leu um texto em favor das manifestações que vêm acontecendo nas últimas semanas em todo o Brasil. O ponto alto de sua participação foi quando pediu para que a plateia respeitasse um minuto de silêncio em memória dos mortos nos confrontos com a polícia nestas semanas. Aproveitando o clima de revolta, Lobão cantou uma das mais polêmicas músicas de Renato Russo, “Perfeição”.

Sentindo-se em casa, a brasiliense Éllen Oléria apresentou-se com “Teatro dos vampiros” e, mais uma vez, empolgou quem estava na arena. Outro sucesso veio logo em sequência. “Giz” foi interpretada por Fernanda Takai e foi a música que menos impressionou o público. O bandolinista Hamilton de Holanda, por sua vez, apresentou uma belíssima versão de “Índios”, a ponto de todos os presentes deixarem de cantar o sucesso para apreciar o arranjo instrumental do carioca erradicado em Brasília. Outro número que agradou foi “Tempo perdido”, interpretado por Jerry Adriani.

Melhor para o final

A expectativa para o holograma de Renato Russo aumentava a cada minuto. A aposta era para qual música seria cantada por ele. A música mais aguardada, “Faroeste Caboclo”, era a mais votada para ser cantada por Renato. Mas quem a interpretou foi o vocalista da banda Natiruts, Alexandre Carlo. Foi o ponto alto do show. Todos cantaram a vida de João do Santo Cristo em uníssono. Ao final da música, aplausos ensurdecedores. Que continuaram quando as luzes se apagaram. Era a hora do tão esperado holograma. Aos poucos, a decepção tomou conta do local. A imagem de Renato Russo, ainda que empolgasse, não era o que havia sido anunciado. Em muitos pontos do estádio não era possível ver completamente, e mais parecia um vídeo no telão do que a tão falada tecnologia que faria com que o cantor aparentasse, de fato, estar ali. Mesmo assim, todos cantaram “Há tempos” com empolgação. No que era para ser o encerramento, todos os músicos que participaram da homenagem voltaram ao palco para cantar “Será”. Foi quando Fabrício Boliveira anunciou o ex-baixista da Legião Urbana, Renato Rocha. Muitos aplausos para o músico que assumiu o baixo elétrico após a plateia pedir bis. No momento em que o Brasil foi às ruas, nada como encerrar a homenagem com a inesquecível “Que país é esse?”.

O espírito vivo de inconformismo é mais do que um holograma. Os versos se fazem quase físicos e visionários, representantes de mais uma geração que nunca viu Renato Russo em um palco. “Vamos faturar um milhão, quando vendermos todas as almas dos nossos índios num leilão”, apontava o ídolo na década de 80. Memória que vem de “há tempos”. Ou esses versos não são a própria força do grito de um povo? “Dissestes que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes…Teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira”. E, assim, Brasília foi dormir, poetizada pela lembrança do que compositor que dizia “não me entrego sem lutar”, “será que você vai saber o quanto penso em você?”, “sem amor, eu nada seria”, “o infinito é realmente um dos deuses mais lindos”… Na noite de sábado, e de tantos dias, o verso de Renato Russo se fez infinito convencendo milhares que uma voz pode acordar a vizinhança inteira.

Por Lucas Salomão e Luiz Claudio Ferreira – Agência de Notícias UniCEUB

Foto: Eliane Discacciati – Divulgação

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress