Entre o verde e o vermelho: vendedor de pipoca de 16 anos trabalha em sinal ao lado da Esplanada

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Entre um fechar e abrir de luzes coloridas, o vermelho e o verde marcam o início e o fim de um dia. No tempo (1’15”, em que o semáforo muda de cor), Bernardo*, de 16 anos de idade, corre para colocar e recolher todos os saquinhos de pipoca doce colocados sobre os retrovisores dos carros em uma via no centro de Brasília.

Para quem espera apressado o sinal abrir pode considerar um tempo longo. Mas para o rapaz, é o “corre” para garantir o sustento do dia. Afinal, ele já mora sozinho em Cidade Ocidental (GO) e precisa pagar aluguel da casa. 

Ele trabalha cerca de 10 horas por dia (das 10h às 22h, normalmente). Enquanto o sinal está aberto, Bernardo espera sentado sobre um bueiro. O barulho das buzinas e dos motores carros que passam mistura-se ao cheiro da fumaça dos escapamentos nesse ambiente de trabalho que não é animador.

Mesmo assim, ele busca descontração em conversas com outro vendedor no sinal, o primo Pedro, de 20 anos de idade. Os dois formam uma espécie de equipe e dividem as atividades de grampear os papéis com o número do Pix para quem for comprar as pipocas. 

Foto: Laís Tenório 

Antes da pipoca

Bernardo recorda que a vida de trabalho começou aos 10 anos de idade. Ele trabalhava na roça com o avô na região administrativa de São Sebastião, a  30 km de onde hoje ele vende pipoca. Aos 11 anos de idade, veio para Brasília morar com a mãe. Com 13 anos, Bernardo já se sentia com obrigações de adulto. 

Ele trabalhava na adolescência com uma carroça acompanhado dos  irmãos e dos primos com coleta e venda de materiais reciclados. O negócio com as chegou depois. Ele diz ter um faturamento médio de R$ 90 por dia. Ele afirma que usa o dinheiro para comprar a mercadoria do dia seguinte.

“Vai dando certo. A gente trabalha aqui no sinal para sustentar a família. Antigamente eu trabalhava na carroça, agora trabalhamos no sinal, que dá mais dinheiro”, diz.  Apesar das dificuldades enfrentadas, ele garante que busca ficar tranquilo e com “alegria” mesmo nessa situação precária. “É de boa o sinal. Dá pra sobreviver e não passar fome. A gente trabalha aqui na felicidade, na chuva e no sol”, explica.

Dias bons 

Bernardo relata, inclusive, que já viveu experiências positivas nos sinais. “Já passou um cara que me deu oito cestas em um dia. Já tive vários dias bons e ganhei um pix de R$ 500.  Às vezes, passa alguém de bom coração, e dá uma nota de R$ 100, de R$ 50. Tem vezes que dá até um ‘lobo guará’ (referente à nota de R$ 200)”, relata.

Ele recorda que um desses gestos de generosidade ocorreu em uma ocasião em que ele perdeu uma mercadoria. “Teve uma vez que eu coloquei a pipoca em uma porsche e a pipoca caiu no chão e o carro passou por cima. Ele parou e falou que ia dar R$ 100 pra gente”, relata Bernardo. 

O sonho 

Por causa das responsabilidades de adulto, Bernardo não conseguiu avançar nos estudos. Ele parou no oitavo ano do ensino fundamental. Ele diz que abdicou da escola e de seus sonhos para garantir o sustento diário. “Se eu conseguir, quero ser veterinário, cuidar de cavalo…”, exemplifica.

Ao ouvir o que o amigo falou, o amigo Pedro, na mesma hora o encoraja, e o corrige, “se conseguir, não, você vai conseguir parceiro”. 

Maratona 

O sinal fechou, a luz vermelha, que marca o início da corrida, acende, e Bernardo já se prepara para a maratona. O jovem sabe exatamente o tempo que tem para conseguir colocar e tirar as pipocas, por isso, antes mesmo dos carros pararem por completo , Bernardo já começa a colocar as pipocas nos retrovisores dos carros. 

Foto: Laís Tenório 

Durante a conversa, um homem que estava passando pelo local parou para comprar uma pipoca, Bernardo para a conversa para atender o cliente.

-”Quanto está a pipoca? 

– 5,00

-Só tenho 2,50

– Pode levar .”

A pipoca de 5,00, sai por 2,50. Bernardo não se prende muito ao valor, o importante para ele, é conseguir vender toda a mercadoria do dia.

“Aqui vai até por 1 real”

Foto: Laís Tenório 

Linha de chegada 

Bernardo diz que muitas vezes, apesar de acostumado com as corridas diárias nos semáforos, acaba ficando dolorido. Para facilitar o percurso, com frequência tira os chinelos. “De chinelo, tem vezes que eu corro descalço”.

Grande parte dos dias Bernardo perde as pipocas, por causa de carros que vão embora sem pagar, ou passam por cima. “Ontem mesmo, acho que perdi umas 10. Tem hora que os carros passam por cima, e não estão nem aí”. 

Bernardo e o amigo, Pedro, relatam que em horário de pico fica difícil passar pelos corredores, por causa do movimento, e falam que já passaram por perigos nos corredores dos carros.

“Se não for ligeiro, os motoqueiros passam em cima. Se acontecer  alguma coisa com a gente, já não vai ser a mesma coisa porque a gente precisa ter reflexo”. 

Luz verde para a pipoca

A última luz verde do dia de Bernardo se acende, alertando o fim do dia. A corrida geralmente acaba às 20h. Bernardo vai de ônibus para casa, uma viagem que dura duas horas.

No ônibus algumas balinhas já são vendidas para encerrar com todas as mercadorias do dia. “Dentro do ônibus, já vamos vendendo umas balinhas para ajudar mais”. Às 22h, chega em casa, e já começa a se preparar para a próxima maratona.

*O nome do entrevistado foi alterado para proteção do adolescente.  

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Por Laís Tenório (texto e fotos)

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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