Em palestra no auditório Ulysses Guimarães, em Brasília, na terça (29), o escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro “Ainda Estou Aqui”, que inspirou o filme vencedor do Oscar neste ano, celebrou a repercussão da obra, mas lamentou que o julgamento dos torturadores e assassinos do pai dele, Rubens Paiva, ocorreu por causa do sucesso do filme.
“O julgamento dos torturadores do meu pai está aberto no STF há mais de dez anos. Fico envergonhado por ter uma retomada no processo apenas pela vitória do filme no Oscar” , lamentou Marcelo.
Foto: Arthur Lopes
Comissão da Verdade
Marcelo Rubens Paiva enfatizou a importância das buscas e investigações sobre os envolvidos na ditadura militar, tanto na participação de torturas, sequestros, queima de arquivos, entre outros crimes da época.
“É incrível! A comissão da verdade foi um dos motivos para eu escrever o livro ‘Ainda Estou Aqui’, portanto foi o motivo do único Oscar do Brasil”, disse o escritor.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instituída pelo governo brasileiro em 2011 e encerrada em 2014. A comissão buscou identificar os responsáveis por torturas, desaparecimentos forçados e assassinatos políticos, sem, no entanto, ter poder punitivo, sua missão era sobretudo, de resgate histórico e reparação simbólica.
“Ainda Estou Aqui”
Marcelo Rubens Paiva explicou que foi a formação em comunicação na Universidade de São Paulo (USP) que despertou nele a paixão pela escrita.
Foi nesse contexto que nasceram seus livros, entre eles “Feliz Ano Velho” (1982) e o próprio “Ainda Estou Aqui” (2014). Marcelo revelou que não imaginava o alcance que a obra teria.
Sobre a parceria com Walter Salles, relembrou com carinho que o cineasta — a quem se referia como “Walthinho” — era frequentador de sua casa e da família, e foi dessa convivência que surgiu a ideia da adaptação para o cinema.
Contexto sócio-político favorável
Ele ressaltou as dificuldades de fazer sucesso com um filme político no Brasil. Mesmo assim, a obra surpreendeu ao estrear no Festival de Veneza, na Itália. Inicialmente, Marcelo achou que o interesse se devia à sua origem italiana por parte da mãe e da avó, mas logo percebeu que a forte repercussão estava conectada ao contexto político europeu, especialmente pela ascensão da extrema direita na Itália um cenário que também favoreceu o sucesso posterior do filme no Canadá, porém, foi na França que o filme mais ‘explodiu’ em território estrangeiro. Para ele, o impacto internacional da história está diretamente ligado ao momento político global.
Deletou o ‘X’
O escritor conduziu o bate-papo de uma forma descontraída, e comentou que deletou sua conta no ‘X’ (depois de ter sido comprado pelo empresário Elon Musk, que apoia o presidente estadunidense Donald Trump), que acumulava mais de 1 milhão de seguidores.
“Hoje é um dia histórico para mim, apaguei a minha conta no twitter (hoje X). Antigamente eu via várias notícias de vários jornais de todo o mundo em poucos cliques, agora vejo que virou uma espécie de ‘TikTok’ onde as pessoas usam para divulgar mortes, assassinatos e tragédias deliberadamente.”
Eunice Paiva
Marcelo explicou que centrou a narrativa do último livro na história da mãe, a advogada e ativista Eunice Paiva, para confrontar a sociedade patriarcal.
“Eunice Paiva não é a mulher viúva de Rubens Paiva, é a mulher que representa a redemocratização do Brasil… O papel da mulher sempre foi secundário, por isso decidi escrever esse livro.”
Eunice, mãe de mais quatro filhos além de Marcelo, viu seu marido, Rubens Paiva, ser levado pelo Exército Brasileiro no período de Ditadura Militar.
Ela ficou 12 dias presa, foi levada para o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interno), junto à sua filha, Eliana, que na época tinha apenas 15 anos.
Leia mais sobre Marcelo Rubens Paiva
Por Arthur Lopes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira