O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, entende que o conflito entre Israel e o país dele tem caráter político e territorial, e não com viés religioso. “Eu não posso me sentir feliz, seja no céu, no paraíso, se vejo minha gente sofrendo”. Aliás, o representante diplomático critica, em entrevista à Agência de Notícias CEUB, as violências perpetradas pelo vizinho, que não reconhece a Palestina como Estado. Alzeben demonstrou ânimo renovado com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder brasileiro. “O presidente Lula reconheceu o Estado da Palestina em 2010, portanto, com certeza, esse é o nosso desejo e para isso trabalhamos, que este reconhecimento e estas relações bilaterais existentes se desenvolvam e se materializem cada dia mais com o Brasil”.
Assista à entrevista abaixo
Confira a entrevista com o embaixador
Qual a relação histórica entre o Brasil e a Palestina?
Ibrahim Alzeben – Bom, em primeiro lugar a felicidade é minha, muito obrigado pelo convite. Estamos falando de séculos de relação. O século 19, quando Dom Pedro II visitou a Terra Santa, visitou Jerusalém e abre espaço para cristãos e palestinos em geral virem ao Brasil. Esta foi a primeira, digamos, relação com o Brasil.
Já a segunda começa quando o Brasil participa na partilha da Palestina. Houve conflito, o qual eu acredito que vamos aprofundar um pouco. Em 1947, as Nações Unidas decidem ou recomendam a partilha da Palestina em dois Estados: Estado de Israel, Estado da Palestina.
A Assembleia Geral era presidida por um brasileiro, um gaúcho de Alegrete, Oswaldo Aranha, que participa da decisão. E eu deveria esclarecer aqui, é importante esclarecer, que Oswaldo Aranha não foi o criador de Israel, foi criador de dois Estados. Um foi criado e estabelecido, e o outro ainda está aguardando justiça desde 1947 até agora.
Em 1976, o Brasil reconhece a OLP como único e legítimo representante.
Em 1979, já temos um Escritório de Informação aqui, depois se convertem em Representação da OLP, posteriormente como Delegação Especial da Palestina e, a partir de 2010, em Embaixada do Estado da Palestina.
Mantemos relações excelentes, tem muitos palestinos que estão espalhados em todo o Brasil desde Chuí ao sul até Tabatinga no norte. Em todos os lugares trabalhando e ajudando a construir este grande Brasil que a gente ama e admira.
O senhor tem uma ideia de quantos brasileiros ou se tem um fluxo grande de brasileiros que vão pra Palestina?
Ibrahim Alzeben – Bom, dados exatos não temos. Porque para entrar na Palestina, tem que entrar por Israel ou pela Jordânia, porque o país ainda não é independente. Para poder controlar a entrada e saída, nós não temos fronteiras, porque o país não é reconhecido como Estado independente.
De toda maneira, são bem-vindos todos os brasileiros que chegam à Palestina.
O senhor acha que a perspectiva de criar Israel, reconhecendo como Estado-nação, e a Palestina não, passou por questões jornalísticas?
Ibrahim Alzeben – O jornalismo não tem a tarefa de reconhecer um Estado ou deixar de reconhecer. Para reconhecer um estado tem que ser a ONU, que é este órgão máximo que a humanidade criou depois da Segunda Guerra Mundial, e que até o momento não consegue ser.
Temos mais de 140 países que reconhecem a Palestina como Estado, para que esta decisão seja materializada, é preciso o reconhecimento do Conselho de Segurança. No Conselho de Segurança existe o veto dos Estados Unidos, são cinco membros e isso é uma das falhas, eu acho, que no Sistema Internacional desde 1945 até o momento, cinco países praticamente controlam todo o mundo, todos os países, o destino da humanidade.
Por isso somos favoráveis e muitos outros países também, que este Conselho de Segurança seja reformado. E votamos, inclusive, para que o Brasil seja um membro deste Conselho, porque é uma responsabilidade coletiva.
É uma questão complexa e fácil, porque precisa simplesmente de uma vontade política. A Palestina existe como nome, como país, desde a antiguidade. Inclusive aqueles que têm dúvida podem voltar à Bíblia, aparece o nome da Palestina. Em um dos capítulos da Bíblia, em Gênesis, aparece quando Abraão, o pai de todos, chega à Palestina, pede refúgio e mora com os palestinos.
E até ao momento não tem espaço no seio da Assembleia Geral e das Nações Unidas. Essas são as adversidades que não são da curva dos jornalistas, é a vontade política daqueles que controlam o mundo desde a Segunda Guerra Mundial.
Qual a função da Autoridade Nacional Palestina e como vocês conseguem se projetar internacionalmente sem esse reconhecimento oficial da ONU?
Ibrahim Alzeben – A Autoridade Nacional da Palestina foi o resultado de um acordo valoroso entre Israel e a OLP, onde se funda esta Autoridade Nacional para administrar a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e a parte oriental de Jerusalém.
A partir da fundação da Autoridade, aqueles escritórios da OLP já praticamente se convertem e cumprem a sua função como embaixada.
O fato de que Israel ocupa o território não impede de que nós tenhamos representações diplomáticas, trabalhamos e estabelecemos contato com todos os governos onde se instalam essas embaixadas.

O que tem na Palestina que o senhor mais sente falta depois de tanto tempo aqui no Brasil e que você obviamente recomendaria pros brasileiros?
Ibrahim Alzeben – Bom, são duas perguntas. O que eu recomendaria para os brasileiros e o que eu sinto falta da minha pátria.
O Brasil tem tudo. Tem absolutamente tudo que qualquer ser humano pode desejar para si. Só que o que falta para mim neste caso é a minha pátria. Assim, sentir onde a gente nasceu, a família. Não temos aqueles campos tão verdes como o Brasil que todo mundo pode desejar. Todo mundo pode sentir falta da família, da história e também no sentido de justiça. Eu não posso me sentir feliz, seja no céu, no paraíso, se vejo minha gente sofrendo.
Por exemplo, eu estou comendo e passeando livremente sem obstáculos, e ver minha gente que passa horas numa retenção militar ou estão presos por simplesmente não aceitar injustiça. Isso é o que eu sinto falta, sinto falta da minha pátria.
Brasileiros são bem-vindos, tem muitas coisas interessantes partindo de que é o berço de cristianismo, todo cristão deve visitar a Palestina. E é bem-vindo, vocês seguramente não se surpreendam quando estiverem visitando a Palestina e encontrar muitas bandeiras brasileiras nas ruas. Inclusive gente falando português, porque aqui passaram muitos palestinos, que vão e vem, inclusive são palestinos e brasileiras ao mesmo tempo.
A nossa terra, Palestina, é um país muito antigo, país que tem raízes profundas na história, tem o Mar Morto, tem Jericó (a cidade mais antiga), tem Jerusalém e tem todo o carinho do nosso povo.
O senhor poderia elucidar se existe alguma diferença que o governo atual, o Lula, poderia fazer para a Palestina?
Ibrahim Alzeben – Não podemos negar que a representação palestina, seja diplomática, ou seja embaixada ou representação como era antes de 1979, sempre mantivemos excelentes relações com o governo brasileiro e excelente relações com o povo brasileiro, independentemente inclusive dos governos.
Agora, o presidente Lula reconheceu o Estado da Palestina em 2010, portanto, com certeza, esse é o nosso desejo e para isso trabalhamos, que este reconhecimento e estas relações bilaterais existentes se desenvolvam e se materializem cada dia mais com o Brasil.
Tivemos altos e baixos, é normal e posso lhe assegurar que o povo brasileiro é muito simpatizante com a causa palestina. Eu tenho 14 anos no país, eu percorri, visitei vários lugares, e não achei nenhum brasileiro contra a Palestina.
Nós saudamos ao governo do presidente Lula, saudamos a todas as forças vivas do povo brasileiro que trabalham por uma justiça a nível nacional e a nível internacional.
Por Juliana Weizel
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira