Do cigarro convencional para o eletrônico, Talita Matos, de 37 anos, recorda que fez a mudança de hábito para ficar mais em conta. A gerente de produtos não imaginava que o novo vício poderia colocar a vida dela em risco.
O hábito a levou a um colapso de saúde dramático, resultando em um quadro grave de pneumotórax e enfisema pulmonar, evidenciando que os malefícios dessa tendência são, de fato, reais e muitas vezes devastadores.
Imagem: Arquivo pessoal
O primeiro contato
Talita teve seu primeiro contato com o cigarro eletrônico em 2017, durante um intercâmbio na Irlanda. “Na época, o custo elevado dos cigarros tradicionais e a popularidade dos vapes me atraíram para essa alternativa”, afirma.
Ela explica que, enquanto no Brasil o maço de cigarro custava cerca de 7 reais, “na Irlanda o mesmo maço custava cerca de 50 reais”. “Era inviável continuar fumando o cigarro tradicional, então optei pelo cigarro eletrônico, que era mais barato e amplamente aceito”, relembra.
Hábito
O uso ocasional logo se transformou em hábito. “Eu aumentei consideravelmente a frequência de uso, buscando essências com mais nicotina e, às vezes, recorrendo até ao cigarro de enrolar quando o eletrônico não estava disponível”, relata.
Segundo ela, antes de aderir ao cigarro eletrônico, “fumava um ou dois cigarros convencionais por dia”. Com o vape, no entanto, “a dependência de nicotina aumentou muito”, conta.
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Sintomas
Os primeiros sinais de que algo estava errado surgiram em 2020, quando Talita começou a sentir dores nas costas e cansaço.
“Foi um dia como outro qualquer”, descreve, “mas acordei com uma dor intensa no pulmão, algo como uma pontada violenta nas costas”.
Com medo de que fosse Covid-19, ela buscou atendimento médico e fez uma série de exames.
“O teste deu negativo para covid, mas o raio-X revelou que eu estava com um pneumotórax”, relata.
“Eu fiquei quase sete dias internada, fazendo oxigenoterapia, tomografias e drenagem para tratar o problema”, lembra Talita.
“A dor foi intensa, e o procedimento de drenagem, feito sem anestesia, foi a pior dor da minha vida”, completa. O diagnóstico ainda identificou pequenos enfisemas pulmonares, os quais, segundo os especialistas, têm “uma associação direta com o uso de cigarro eletrônico”, mesmo ela tendo fumado por poucos anos.
Impacto na saúde
Além das dores físicas, Talita destaca o impacto emocional e psicológico do ocorrido. “A experiência abalou muito o meu psicológico. Foi devastador perceber que isso ocorreu por descuido meu, que eu poderia ter evitado”, confessa.
Desde então, ela lida com o cansaço persistente causado pelos enfisemas e precisa fazer exames periódicos para monitorar sua saúde pulmonar.
A interrupção abrupta do cigarro eletrônico também trouxe consequências mentais difíceis. “Tive que parar de fumar bruscamente, o que também teve efeitos ruins”, conta.
Para lidar com a abstinência, Talita buscou ajuda psiquiátrica e passou a usar Bupropiona, um medicamento eficaz para tratar a dependência de nicotina e disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Essa medicação me ajudou muito a largar esse vício”, afirma.
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Alerta
Quando perguntada sobre o que diria para quem considera começar a usar cigarros eletrônicos, Talita faz um apelo para que a saúde pública invista em campanhas de conscientização sobre os perigos dos vapes.
“Se quer fumar, o cigarro branco é menos prejudicial”, aconselha, frisando que a comparação pode “mostrar de forma simples o impacto negativo que o vape tem”.
Para ela, a promoção dos cigarros eletrônicos é enganosa e contribui para “uma postura negacionista quanto aos seus malefícios”. “Muitos usuários defendem o uso do vape como uma alternativa segura, mas ignoram os efeitos de longo prazo e os danos que eu mesma vivi”, alerta.
Perigos ocultos aqui
A experiência de Talita Matos expõe os perigos dos cigarros eletrônicos que muitas vezes passam despercebidos. “O pneumotórax, uma condição potencialmente letal, e o enfisema, que afeta permanentemente a capacidade pulmonar, são algumas das graves consequências dessa prática”, explica.
Com a crescente popularidade entre jovens e a falta de campanhas informativas sobre os riscos, casos como o de Talita podem se tornar cada vez mais comuns. Ela ressalta que, para evitar que mais pessoas sofram o mesmo, é essencial que autoridades de saúde invistam em pesquisas e campanhas educativas que tragam “informações claras sobre os malefícios dos cigarros eletrônicos”.
Danos respiratórios
Os cigarros eletrônicos se apresentam no mercado como uma alternativa “menos prejudicial” ao tabaco convencional. No entanto, essa promessa parece mais uma ilusão diante dos dados emergentes sobre os seus efeitos nocivos à saúde.
Malefícios
O pneumologista Gilmar Alves Zonzin, ex-presidente da Sociedade de Pneumologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ) e professor de Medicina do UniFOA, de Volta Redonda, tem acompanhado com preocupação o crescente uso desses dispositivos. Para ele, os danos provocados pelos vapes são apenas a ponta do iceberg.
“Os malefícios dos cigarros eletrônicos para a saúde respiratória são um conhecimento ainda em desenvolvimento”, afirma o pneumologista, com uma preocupação visível.
“Levamos décadas para identificar algumas, acreditamos que não todas, as propriedades maléficas dos cigarros convencionais para a saúde humana. O cigarro eletrônico, comparado ao cigarro convencional, é uma invenção relativamente recente. Então, é razoável acreditar que muitas coisas ainda vão ser evidenciadas em relação aos danos causados por ele”, alerta o especialista.
Essa falta de dados sólidos não impede, no entanto, que algumas complicações já tenham se tornado evidentes. Zonzin destaca uma síndrome chamada evali, uma lesão pulmonar grave associada ao uso dos vapes.
“Nós já temos hoje bem definido um quadro chamado evali, que é uma injúria pulmonar diretamente relacionada aos vapes. A gente não tem ainda uma identificação clara de como ela se desenvolve, mas sabemos que ela causa uma agressão pulmonar significativa, com um alto risco de morte”, explica.
A síndrome, que provoca insuficiência respiratória e leva muitas vezes à necessidade de intubação e ventilação mecânica, é um exemplo claro dos danos que os cigarros eletrônicos podem causar.
“É um malefício de gravidade notável, já bem associado ao consumo dos cigarros eletrônicos”, diz Zonzin.
Mas os problemas não param por aí. A dependência da nicotina, uma das substâncias mais aditivas conhecidas, é outra preocupação central do pneumologista.
“Os cigarros eletrônicos têm uma tendência muito maior a gerar dependência no usuário do que o cigarro convencional, porque a nicotina é liberada em proporções mais elevadas e atinge o cérebro muito rapidamente. Então, a dependência se instala muito mais rapidamente. E isso é um grande problema, porque sabemos que a nicotina é uma substância altamente nociva ao nosso organismo.”
Ele acrescenta que a velocidade com que a nicotina penetra no corpo do paciente está diretamente associada ao alto grau de dependência e aos danos causados.
“Não é apenas um vício, é um ciclo vicioso que, à medida que se agrava, pode levar a complicações mais graves. E a cada dia vão se evidenciando outras alterações: aumento de lesões orais, danos nas glândulas pulmonares secretivas… As evidências vão se acumulando, mostrando que os cigarros eletrônicos são extremamente nocivos à saúde humana como um todo.”
Risco
A combinação de substâncias químicas liberadas durante a vaporização também é outro fator de risco que o médico pneumologista menciona.
Quando a pessoa eleva a temperatura para produzir o vapor, cria-se uma mistura de substâncias químicas. “Essas substâncias são diversas e podem causar danos não só no aparelho respiratório, mas também no sistema nervoso central e cardiovascular. Precisamos de mais tempo para entender as respostas a longo prazo, mas já sabemos que as lesões observadas até agora são graves e podem ser fatais.”
O pneumologista é enfático ao falar sobre o futuro do consumo de cigarros eletrônicos. “Ainda estamos muito longe de compreender completamente os malefícios deste produto. Não temos dados a longo prazo, e o tempo será crucial para termos uma visão mais clara. Mas uma coisa é certa: o malefício é real, e é potencialmente muito grande. Não podemos nos iludir.”
Porta de entrada
O ex-presidente da Sociedade de Pneumologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ) também alerta para o papel dos cigarros eletrônicos como uma porta de entrada para o tabagismo convencional, especialmente entre os mais jovens.
“O cigarro eletrônico tem sido a porta de entrada para muitos jovens. Eles começam achando que estão optando por algo ‘menos prejudicial’, mas rapidamente se tornam dependentes da nicotina. E o que temos observado é que, em um determinado momento, eles começam a achar que o cigarro eletrônico não está mais entregando a sensação de prazer que eles esperam, e aí muitos migram para o cigarro convencional. Isso tem sido registrado com uma frequência alarmante”, observa.
“O problema maior é que, no caso dos jovens, o uso precoce dos cigarros eletrônicos tem implicações muito mais sérias”. Ele afirma que o corpo ainda está em desenvolvimento e não está preparado para lidar com essas substâncias. “A exposição precoce compromete a saúde cardiovascular e respiratória, e interfere na capacidade do corpo de realizar atividades físicas de forma saudável.”
Com o olhar fixo nos dados mais recentes e na experiência acumulada ao longo dos anos, Zonzin reflete sobre a dependência gerada pelo cigarro eletrônico.
“A nicotina é uma substância extremamente aditiva. E o que vemos com os cigarros eletrônicos é uma dependência muito mais intensa e precoce do que a que vemos com os cigarros convencionais. Enquanto antes, a pessoa poderia fumar por dois ou três anos e ter uma chance maior de parar com o apoio adequado, com o cigarro eletrônico não tem sido assim. A dependência se instala de forma muito mais agressiva e difícil de ser combatida.”
Concluindo sua análise, o pneumologista não tem dúvidas que o cigarro eletrônico é uma ameaça silenciosa. “ Ele pode parecer inofensivo à primeira vista, mas os danos que ele causa, tanto a curto quanto a longo prazo, são profundos. Estamos apenas começando a entender os efeitos desse vício, e o impacto na saúde pública ainda está por vir.”
Batalha silenciosa
O epidemiologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA), André Szklo, analisa uma pilha de relatórios e gráficos.
A batalha que ele estuda não envolve armas, mas uma fumaça invisível que cresce entre os jovens, os cigarros eletrônicos.
“Ainda não vemos um aumento significativo no consumo no Brasil, mas os dados são claros: eles estão concentrados entre adolescentes e jovens adultos de maior poder aquisitivo e escolaridade elevada”, afirma.
Jovens
A tabela do VIGITEL 2023 mostra que o uso de cigarros eletrônicos no Brasil é mais prevalente entre jovens de 18 a 24 anos (7,11%), homens (2,89%) e pessoas com maior escolaridade (2,27%).
O consumo diminui significativamente com o aumento da idade e entre indivíduos com escolaridade mais baixa. Apesar de relativamente baixo no geral, o perfil jovem e escolarizado destaca grupos prioritários para ações de prevenção e conscientização.
Os números que Szklo menciona vêm da pesquisa VIGITEL, o sistema oficial de monitoramento telefônico do Ministério da Saúde. Apesar de o crescimento no consumo ainda não ser alarmante no Brasil, a preocupação é evidente.
“O que acontece em outros países serve de alerta. Onde o uso desses dispositivos foi liberado, houve um aumento significativo entre os jovens. Não podemos permitir que isso aconteça aqui”, ressalta.
A promessa ilusória
“É mais seguro que o cigarro.” Essa é a mensagem que muitas vezes chega aos consumidores, propagada por fabricantes e influenciadores nas redes sociais. Mas, para Szklo, essa ideia é enganosa e perigosa. “Isso é um mito. O cigarro eletrônico não é uma alternativa segura. Ele traz riscos reais e graves à saúde. Há evidências sólidas de que aumenta as chances de doenças cardiovasculares, respiratórias e metabólicas”, explica, referindo-se a um estudo recente publicado no NEJM Evidence.
No Brasil, embora ainda sejam necessários mais dados populacionais, casos isolados já despertam a atenção dos especialistas. “Já tivemos relatos de doenças pulmonares graves associadas ao uso desses dispositivos. E sabemos que a nicotina contida nesses produtos não só causa dependência, mas também pode ter efeitos devastadores no organismo”, alerta.
A barreira da legislação
Por enquanto, o Brasil mantém uma posição firme. Desde 2024, a RDC 855 da ANVISA proíbe a fabricação, importação, comercialização e propaganda de cigarros eletrônicos. “É uma das legislações mais rigorosas do mundo, e isso tem feito a diferença”, diz Szklo. Ele compara o Brasil a outros países onde o consumo é liberado: “Lá, vemos um uso muito maior, principalmente entre os jovens. Aqui, graças à proibição, conseguimos evitar uma epidemia maior.”
Mas as brechas ainda existem, especialmente no mundo digital. Redes sociais e sites clandestinos continuam sendo canais para a comercialização ilegal. “A internet é o maior desafio. Precisamos de mais fiscalização e de campanhas que cheguem até os jovens e os pais. A proibição por si só não basta se a mensagem não alcançar as pessoas”, reflete o especialista.
Uma guerra pela educação
No campo da prevenção, o INCA aposta na educação como arma principal. “É essencial que os jovens entendam os riscos antes de experimentar. Não adianta só falar em proibição. Precisamos explicar os malefícios de forma clara e acessível”, defende Szklo.
Um dos pilares dessa estratégia é o programa Saber Saúde na Escola, que capacita professores e distribui materiais para conscientizar adolescentes. “A escola é um ambiente poderoso. É onde formamos o pensamento crítico. Os alunos precisam saber que o cigarro eletrônico não é inofensivo, mesmo que tenha sabor de morango ou menta.”
Outras ações incluem encontros com coordenadores estaduais de tabagismo e a produção de materiais informativos, como o livreto Dispositivos Eletrônicos para Fumar: Conheça os Danos que Ele Causa. Szklo reforça: “A mensagem é clara: esses dispositivos podem parecer modernos, mas são uma armadilha. Uma armadilha que pode custar caro em termos de saúde.”
Influência
As redes sociais, onde os cigarros eletrônicos ganham destaque com influenciadores e propagandas disfarçadas, são uma preocupação crescente. “É fundamental bloquear a promoção desses produtos online. A propaganda é proibida por lei, mas ainda vemos isso acontecendo em plataformas digitais. Precisamos de uma cooperação mais forte entre os órgãos fiscalizadores e as empresas de tecnologia”, aponta o especialista.
Para Szklo, essa guerra não será vencida apenas no papel. “O trabalho vai além da legislação. É uma luta por corações e mentes, para que as pessoas entendam que a saúde deve estar acima de modismos.”
Enquanto isso, ele continua analisando dados, elaborando estratégias e buscando novas formas de proteger os jovens brasileiros. “Ainda há muito a fazer, mas não podemos nos dar ao luxo de esperar. Se hoje não vemos um aumento significativo no consumo, é porque estamos conseguindo agir. Mas essa batalha é contínua, e precisamos estar preparados.”
Curiosidade
Foto: Arquivo pessoal
No final de 2022, a publicitária Giorgia Meyer, de 24 anos, embarcou no que, a princípio, parecia ser apenas uma moda passageira entre jovens: o cigarro eletrônico.
“Eu via muita gente fumando, então quis experimentar, por curiosidade”, lembra.
O impulso de acompanhar amigos rapidamente transformou-se em algo maior. “Acabei gostando muito”, ela admite, relembrando a sensação inicial de novidade e pertencimento. Logo, o hábito já não era apenas uma curiosidade, mas uma parte indispensável da sua rotina.
Em questão de semanas, Giorgia se viu imersa em uma dependência quase diária, algo que, segundo ela, nunca tinha imaginado.
“Até um mês atrás, eu usava todos os dias, o tempo inteiro”, conta. Ela lembra que o dispositivo a acompanhava desde o despertar até os momentos pós-academia, quando “já voltava querendo fumar”.
O cigarro eletrônico se tornou, em suas palavras, uma muleta constante. Ela conta que, sem perceber, sentia-se cada vez mais dominada pela necessidade de ter o aparelho por perto. “Eu já acordava querendo fumar, eu fazia tudo ao longo do dia fumando.”
Sinais silenciosos
Porém, com o tempo, os sinais de alerta começaram a aparecer, silenciosos, mas impossíveis de ignorar. Giorgia sentiu dores de cabeça frequentes, algo novo para ela. “Foi na academia que eu mais percebi a diferença”, conta.
Antes, conseguia realizar longos treinos cardiorrespiratórios, mas sua disposição caiu drasticamente. “Antigamente, eu conseguia fazer uma hora de cardio. Hoje mal consigo completar 20 minutos”, desabafa.
Esses sintomas, antes apenas incômodos, tornaram-se evidências da dependência que, agora, pesava sobre sua saúde.
A dor de cabeça era apenas um dos efeitos colaterais. Ao tentar reduzir o uso, Giorgia notou uma onda de ansiedade se intensificar.
“Quando tentava ficar sem fumar, eu ficava estressada, irritada e triste”, relata. Como muitos que enfrentam o mesmo vício, ela encontrou no cigarro eletrônico um escape para a ansiedade, mas logo percebeu que o mecanismo de fuga também tinha um preço. A saída rápida que antes encontrava no cigarro agora transformava-se em um apetite compulsivo, uma necessidade constante de mastigar algo. “Descontava na comida, principalmente nos doces”, admite.
Pedido de ajuda
Foi então que, em um momento de reflexão, que a publicitária decidiu buscar ajuda. “Eu percebi que estava dependente. Não conseguia sair de casa sem o meu pod, queria fumar o tempo todo”, relata. Sob a orientação de uma pneumologista, iniciou um tratamento com medicamentos para reduzir o uso, após tentativas frustradas de parar sozinha.
“A nossa primeira opção foi o remédio mesmo”, explica.
Já havia tentado os famosos chicletes de nicotina, mas seu corpo rejeitou o tratamento. Dessa vez, optou pelo medicamento, uma escolha que trouxe um alívio significativo e a conduziu para um processo de recuperação mais estruturado.
Ainda em busca de alternativas, Giorgia passou a adotar hábitos que ajudassem a ocupar a mente e o corpo de forma positiva.
“Eu tento ocupar minha cabeça, indo para a academia ou até fazendo uma caminhada”, conta.
Descobriu na acupuntura uma nova aliada, e, aos poucos, sente que os pequenos passos estão, enfim, levando-a na direção da libertação. Ela já não compra mais o cigarro eletrônico, embora ainda sinta tentação quando encontra amigos que fumam.
Giorgia pondera sobre as armadilhas de um hábito que muitos jovens consideram inofensivo. “Se eu pudesse voltar atrás, não fumaria cigarro eletrônico”, confessa.
“E eu falo isso para todo mundo.”
Hoje, Giorgia encara os efeitos desse hábito com seriedade e fala abertamente sobre os desafios de superá-lo, deixando claro que, para ela, a liberdade do vício ainda é uma meta a ser conquistada, mas uma meta que agora, mais do que nunca, parece estar ao seu alcance.
Foto: Arquivo pessoal
Impactos psicológicos
Para entender os impactos emocionais e psicológicos do uso de cigarros eletrônicos, a psicóloga clínica Emily Verde, de 37 anos, especialista em terapia cognitivo comportamental, destacou que a dependência gerada por esses dispositivos não é apenas física, mas também profundamente psicológica.
“A dependência psicológica está relacionada aos padrões de pensamento e emoções associados ao uso”, explica. “Muitas vezes, as pessoas utilizam o cigarro eletrônico como uma estratégia de enfrentamento para lidar com estresse, ansiedade ou até mesmo tédio.”
Dependência psicológica
Emily destacou que a dependência dos cigarros eletrônicos vai além da nicotina. “Muitas vezes, as pessoas criam uma ligação emocional com o dispositivo. Ele se torna um ‘companheiro’ em momentos de estresse, ansiedade ou até mesmo de tédio. Isso cria uma relação simbólica em que o vape é visto como algo que traz conforto ou alívio”, explica.
Essa ligação emocional, segundo a psicóloga, torna o abandono do hábito ainda mais difícil. “Enquanto a dependência física está ligada à nicotina e pode ser tratada com medicamentos, a dependência psicológica é mais desafiadora porque está enraizada nos padrões de pensamento e nos gatilhos emocionais. É preciso reconfigurar a forma como a pessoa lida com essas emoções.”
Buscas
Emily também falou sobre a relação entre os cigarros eletrônicos e o comportamento de busca por prazer imediato. “O uso de cigarros eletrônicos reforça um padrão mental de gratificação instantânea, porque o alívio é rápido e fácil”, observa. “Isso pode ter efeitos em outras áreas da vida, dificultando a capacidade de lidar com frustrações ou de adiar recompensas. Em longo prazo, a pessoa pode ter dificuldades em desenvolver resiliência emocional.”
Ela alerta que esse ciclo pode se agravar, especialmente entre jovens, cujo cérebro ainda está em desenvolvimento. “A exposição à nicotina e ao hábito de buscar alívio imediato pode comprometer a formação de habilidades importantes, como tolerância ao desconforto e controle emocional”, acrescenta.
Impactos emocionais
Sobre como o uso de vapes pode influenciar o humor e o estado emocional, Emily é categórica: “A curto prazo, a nicotina pode proporcionar uma sensação de relaxamento ou prazer, mas a longo prazo, ela desregula o sistema emocional. Isso acontece porque o cérebro começa a depender da substância para regular o humor, e, sem ela, surgem sintomas como irritabilidade, ansiedade e até sentimentos de vazio.”
Ela também destaca como os episódios de abstinência impactam a rotina. “É comum que usuários fiquem mais irritados ou ansiosos quando não conseguem usar o dispositivo. Esse ciclo de altos e baixos no humor acaba prejudicando a qualidade de vida, as relações pessoais e até o desempenho em atividades como trabalho ou estudos.”
Desafios
A especialista em saúde mental ressalta que os pacientes relatam que o mais difícil é lidar com os gatilhos emocionais e comportamentais.
“Por exemplo, a pessoa pode se sentir incompleta ou desconfortável em situações sociais onde costumava fumar. Além disso, há o medo de perder uma válvula de escape emocional, o que pode gerar ansiedade.”
Conforme relatado por ela, a sensação de perda emocional também pode ser um obstáculo.
“Muitos usuários sentem como se estivessem abrindo mão de algo que os conforta ou os conecta com outras pessoas. Esse sentimento pode gerar resistência ao abandono do hábito e, por isso, é importante trabalhar a percepção de que o cigarro eletrônico não é uma solução, mas parte do problema.”
Técnicas terapêuticas
Emily compartilhou algumas abordagens utilizadas na Terapia Cognitivo Comportamental para ajudar pacientes a superar o vício.
“Uma das técnicas mais eficazes é a reestruturação cognitiva, que ajuda a identificar e desafiar pensamentos automáticos, como ‘Eu preciso disso para relaxar’ ou ‘Sem o vape, não consigo lidar com meus problemas’. Essa mudança de perspectiva é essencial para a recuperação”, explica.
Ela também sugere práticas para lidar com os gatilhos emocionais. “Técnicas de relaxamento, como respiração diafragmática ou mindfulness (prática de estar presente no momento com atenção plena e sem julgamentos, promovendo bem-estar físico e mental), podem ajudar a reduzir a ansiedade. Planejar atividades prazerosas e saudáveis também é uma excelente forma de substituir o hábito de fumar por algo que gere bem-estar.”
Outra ferramenta mencionada por Emily é o uso de diários para monitorar os gatilhos. “Registrar os momentos em que a vontade de usar o cigarro eletrônico surge pode ajudar a identificar padrões e situações que precisam ser trabalhadas”, orienta.
Prevenção
Emily reforça que campanhas educativas são fundamentais, principalmente entre os jovens. “Os cigarros eletrônicos são promovidos como inofensivos ou como uma alternativa menos prejudicial, mas isso é um mito. Precisamos de mais iniciativas que mostrem os riscos reais, tanto para a saúde física quanto mental”, afirma.
Ela também ressalta a importância de programas preventivos. “No Brasil, o SUS oferece apoio para quem quer parar de fumar, incluindo medicamentos e acompanhamento profissional. No entanto, é necessário investir mais em políticas públicas e em campanhas que alcancem os jovens nas escolas e universidades, onde o uso de vapes tem se tornado uma moda preocupante.”
Risco à saúde
A terapeuta deixou um alerta para quem está pensando em experimentar cigarros eletrônicos: “Reflita se vale a pena arriscar sua saúde física e mental por algo que, no fim, não resolve os problemas, mas os agrava. O que começa como curiosidade ou diversão pode se transformar em um ciclo de dependência difícil de romper.”
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Por Ana Carolina Miranda
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira